segunda-feira, 4 de junho de 2012

A FOME E OS VALORES UNIVERSAIS


Comer é a mais básica das necessidades humanas.

Não por acaso o primeiro dos oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio é acabar com a fome e a miséria.

Precisamos acreditar que todos podem fazer algo transformador, duradouro e sustentável para ajudar a diminuir a pobreza e a fome.

Milhões de pessoas no Brasil e no mundo convivem com a fome e estão em situação de insegurança alimentar. A insegurança alimentar é caracterizada quando não há garantia de acesso à alimentação em quantidade, qualidade e regularidade suficiente. A gravidade do problema se expressa tanto pelo grande número de pessoas que convivem com a fome quanto pelo número ainda maior de pessoas que não sabem se terão dinheiro para repor a comida que têm, seja pelo desemprego e/ou pelos altos preços dos alimentos.

Quase metade da população da Terra vive em cinco países: China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Brasil, totalizando 3,293 bilhões de habitantes. Desses, quatro estão em pleno crescimento econômico, aumentando o consumo de tudo, de comida a automóveis.

Segundo o estudo, assinado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), pelo Fida (Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola) e pelo PMA (Programa Mundial de Alimentos), mesmo se atingirmos as metas do milênio até 2015, 600 milhões de pessoas ainda sofrerão por causa da fome.
O foco do estudo das três agências da ONU em 2011 é a volatilidade e o aumento dos preços dos alimentos, apontados como grandes responsáveis pela insegurança alimentar em nível mundial e motivo de grande preocupação para a comunidade internacional. "A demanda dos consumidores das economias que crescem em ritmo acelerado vai aumentar, a população continuará a crescer e um maior uso dos biocombustíveis irá aumentar ainda mais a pressão sobre o sistema alimentar.''

Nesse cenário, os governos e a sociedade devem garantir um ambiente regulatório transparente e confiável que promova a produção, a distribuição de alimentos em países de dimensões continentais, bem como o consumo consciente, reduzindo o desperdício de comida por meio de políticas adequadas e educação.

Os programas sociais e de transferência de renda não são suficientes e não geram desenvolvimento sustentável. Trata-se de instrumento paliativos, muito bem vindos é claro, mas também serve a interesses diversos, permitindo que a sociedade se torne reféns de seus regimes políticos.

A fome é o retrato mais triste da nossa incapacidade de reagir em um mundo tão desigual, onde gastamos mais recursos do que podemos repor. Somente através da educação podemos dar a todos a chance de desenvolver a capacidade de reação e transformação desse cenário ultrajante.

Construir um mundo melhor é a meta, com cada um executando a sua parte, através de valores universais, que devem ser postos em prática por todos e em qualquer lugar do mundo.

Precisamos abraçar novas causas, iniciar novos projetos destinados à educação, ao meio ambiente e à comunidade. E conduzir nossas atividades em direção a um futuro melhor, com mais generosidade e justiça.

ZUNARA CARVALHO, 48 anos, é pós-graduada em Gestão Socioambiental Internacional e sócia da Ernst & Young Terco.
Fonte : Folha de São Paulo 31/05/2012

Estudo mostra que desperdícios somam R$ 83 bilhões por ano


O desperdício de recursos naturais atinge números preocupantes no Brasil - anfitrião em junho da Rio+20, o encontro da Organização das Nações Unidas que discutirá os limites do consumo e os rumos da economia verde.

Um cálculo aproximado, baseado em dados setoriais e de organismos internacionais, indica que o país perde comercialmente ao ano pelo menos R$ 83 bilhões em alimentos, energia, água, madeira e resíduos que vão para o lixo e que poderiam ser reciclados, implicando impactos ambientais e emissões de gases do efeito estufa menores.
O valor, que não considera produtos químicos, minerais e outros insumos básicos atrelados à exploração desses recursos, supera os R$ 70 bilhões de gastos federais com educação previstos para 2012.

Relatório divulgado pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) mostra que o mundo desperdiça um terço dos alimentos produzidos para consumo humano, no total de 1,3 bilhão de toneladas por ano, desde o campo até as residências. Há diferenças conforme o grau de desenvolvimento: enquanto nos países ricos as perdas se concentram no consumo, nos mais pobres o problema está principalmente nas etapas de produção e armazenagem. Na África subsaariana a perda é de 120 quilos por habitante, enquanto na Europa e América do Norte o número se aproxima de 300 quilos. Na América Latina, onde se inclui o Brasil, são 220 quilos por habitante ao ano - e a tendência é subir, à medida do crescimento econômico e do maior acesso ao consumo.

No mundo mais de 30% dos peixes e frutos do mar são jogados fora, proporção que sobe para 50% na América do Norte. As regiões industrializadas desperdiçam até 65% do leite. Os cientistas do Swedish Institute for Food and Biotechnology, que assinam a pesquisa da FAO, advertem para os riscos de se dar prioridade ao aumento da produção e esquecer a redução do desperdício nas políticas de combate à fome. Eles recomendam investimento na eficiência da cadeia produtiva, uma vez que o planeta tem recursos limitados de solo, água, energia e fertilizantes, e busca soluções de custo-benefício para a segurança alimentar.

De acordo com o estudo da organização, na América Latina são perdidos 55% das frutas e hortaliças e 25% dos cereais. Aplicando-se o percentual à produção brasileira, chega-se a um prejuízo de R$ 27 bilhões apenas com arroz, feijão, milho, soja e trigo. Só em frutas são mais R$ 20 bilhões, sem falar o quanto se perde de carne bovina e frango, cuja produção de 2012 somará 25,3 milhões de toneladas.

"A armazenagem inadequada danifica 10% dos grãos em geral", afirma o pesquisador Irineu Lorini, da Embrapa-Soja, em Londrina (PR). A defasagem entre produção e estrutura de armazenagem é de 25%, o que "pode gerar ataque por pragas, problemas de qualidade e barreiras comerciais para o país".

"Faltam dados confiáveis para o tema", lamenta Anita Gutierrez, do Ceagesp, em São Paulo. Diariamente 100 toneladas de alimentos sem condições para consumo (1% do total) vão para o lixo. O desafio maior está no campo, onde "é necessária infraestrutura industrial para aproveitamento de perdas e modernização da logística até o consumo", adverte Guitierrez.
Para a engenheira agrônoma, o desperdício nas gôndolas de supermercados atinge níveis inaceitáveis, em torno de 7%, o que é repassado para os preços.

No campo da energia, os números permanecem altos, apesar de iniciativas oficiais como o selo Procel, a partir do qual eletrodomésticos passaram a consumir menos eletricidade. No caso dos refrigeradores, em dez anos a redução representou uma economia de R$ 6 bilhões nas contas de energia. "Mas o país joga fora R$ 7 bilhões ao ano devido a furtos (gatos) na rede elétrica e perdas técnicas na distribuição, somando uma energia superior à geração prevista para as duas usinas em construção no rio Madeira", afirma Edvaldo Santana, diretor da Aneel. Para ele, a estratégia deve ser reduzir o furto.

Além das perdas na distribuição, o uso energético ineficiente nos setores produtivos gera prejuízo adicional de R$ 12 bilhões por ano, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia. Em 2011, o governo federal lançou um programa para diminuir o consumo em 10% até 2030.

A meta, considerada pouco ambiciosa pelo mercado, depende de incentivos financeiros e outras medidas que ainda não saíram do papel. Estudo da Confederação Nacional da Indústria mostra que em 2010 o setor previa investimentos de R$ 161 milhões em eficiência energética para atingir uma economia anual de 626 GWh.

"É importante maior integração dos diferentes segmentos industriais para se otimizar o uso de recursos, pois o que sobra como resíduo de um lado pode ser matéria prima de outro", sugere Carlos Rossin, diretor da PwC Brasil, empresa que publicou mundialmente um relatório indicando os riscos da escassez para os negócios.

"Vivemos como se tivéssemos um planeta extra à nossa disposição", adverte Jim Leape, diretor do WWF, responsável pelo estudo "Planeta Vivo 2012".

O problema reflete-se no aumento do lixo urbano, que no Brasil emite o equivalente a 1 milhão de toneladas de dióxido de carbono por ano, de acordo com o Centro de Tecnologia de Embalagem, em Campinas. Além das emissões, o Brasil tem prejuízo de R$ 8 bilhões ao ano por enterrar ou despejar em lixões resíduos - embalagens, plásticos, metais - que podem ser reciclados e voltar à produção industrial. "Investimentos em coleta de materiais recicláveis se pagam sob o ponto de vista ambiental, social e econômico", conclui Jorge Hargrave, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Na floresta, preocupa o desperdício de madeira, extraída através de métodos predatórios que impedem a recuperação das áreas. "No corte das árvores as perdas chegam a 25% do volume total explorado", informa Marco Lentini, do Instituto Floresta Tropical. Com base em dados do mercado madeireiro, publicados pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), estima-se um desperdício de 2 milhões de metros cúbicos na floresta, significando algo em torno de R$ 680 milhões que deixam de ser faturados ao ano na cadeia de agregação de valor.

Há perdas também nas serrarias e laminadoras. Recente estudo da Universidade de São Paulo no Pará revela que o rendimento no beneficiamento de madeira é de no máximo 39% - ou seja, mais de dois terços viram lixo devido a máquinas obsoletas e ataque de insetos. Sem aproveitamento, grande parte do insumo se decompõe ou é queimado, emitindo carbono.

Fonte: Folha de São Paulo 04/06/2012