sexta-feira, 2 de julho de 2010

A ECONOMIA AZUL

Por Günter Pauli*

O mundo precisa de um novo modelo econômico. Quem pode duvidar disto quando se dilui o debate sobre a mudança climática, embora as temperaturas da Terra continuem subindo, e sejam alarmantes tanto o desemprego quanto a pobreza?

A economia planejada nunca foi capaz de distribuir recursos de maneira eficiente. A economia de mercado evoluiu para um sistema que perseguia a expansão mediante economias de escala e aumento constante da produtividade, o que desencadeou uma onda de fusões e
aquisições, financiada com crescente endividamento. Quando a dívida ficou insustentável, os feiticeiros das finanças inventaram sofisticados instrumentos que criaram ativos baseados no nada. Então, esse esquema desmoronou.

Os promotores da economia verde questionam o crescimento e afirmam que deve ir além do dinheiro para erradicar a fome e a pobreza, ou seja, que se deve conseguir a educação primária universal, promover a igualdade de gênero e a autonomia das mulheres. Contudo, apesar de todas suas boas intenções, a economia verde não conseguiu decolar. Ela exige que os governos subsidiem, que as empresas aceitem lucros menores e que os consumidores paguem mais.

Isto é viável com crescimento e elevado nível de ocupação, mas é difícil quando os governos estão em bancarrota, a demanda e a confiança dos consumidores caem, e aos mais jovens se diz que não há trabalho, enquanto um bilhão de pessoas vivem na pobreza. Chega, então, a hora de adotar inovações que vão além de nosso romance com a natureza e de nosso pessimismo sobre a indústria.

Trata-se de um redesenho pragmático, inspirado nos ecossistemas. Chega também a hora de enfrentar as urgentes necessidades de água, alimentos e saúde com estratégias de longo fôlego para construir capital social. E chega a hora de descobrir soluções que não gerem consequências indesejadas, como a carestia dos alimentos devido ao uso de cereais para produzir biocombustíveis, ou o emprego do óleo de palma para produção de sabonetes biodegradáveis, destruindo enormes extensões de selva tropical.

Em nosso impulso de abraçar a sustentabilidade, toleramos “danos colaterais”, como quando combatemos o terrorismo. Os ecossistemas proporcionam inspiração para criar um novo modelo que transcenda o que até agora conhecemos. Isto é o que chamo economia azul em meu livro “The Blue Economy”. Os ecossistemas fornecem nutrientes e energia em cascata, como demonstrou o assombroso trabalho do engenheiro sanitarista George Chan, de Mauricio, tomando o melhor da permacultura (agricultura permanente) e levando-o a uma nova ordem de eficiência.

Nos modelos de Chan, postos em prática na Colômbia, Namíbia e Fiji, vemos que a biomassa já usada se converte em meio para o crescimento de fungos, de modo que esse substrato aparentemente esgotado se transforma em rica proteína para alimentação do gado. Por sua vez, as bactérias inoculadas no esterco do próprio gado geram biogás em um digestor, enquanto o líquido lodoso resultante dessa operação é um nutriente para as algas que promovem a criação do plâncton que se converte em alimento para os peixes e enriquece a água de irrigação.

No Brasil, o biólogo Jorge Alberto Vieira Costa reutiliza o dióxido de carbono residual de uma usina elétrica movida a carvão para alimentar a alga espirulina, que por sua vez produz alimento rico em proteínas e é usada para fabricar biocombustíveis. O ecossistema opera com o que tem à sua disposição e depende antes de tudo das leis da física. Os fenômenos físicos são previsíveis e não têm exceções: o ar quente se eleva, a água fria cai. Seguir estes princípios permite reduzir ou eliminar resíduos metálicos, substâncias químicas processadas e energia não renovável.

Os mecanismos desenvolvidos pelas zebras e pelos cumpins mostram mais domínio do ar e da umidade do que qualquer de nossas soluções mecânicas ou eletrônicas. Vemos isto no projeto do arquiteto Anderes Nyquist, desenvolvido na escola Laggarberg, da Suécia, no hospital de campanha do grupo Gaviotas em Vichada, Colômbia, e no Eastgate Center de Harare, no Zimbábue, onde o ar é contínua e naturalmente refrescado sem necessidade de bombas ou refrigeradores.

A mesma lógica é aplicada para gerar eletricidade. Cada ecossistema gera correntes elétricas pelas diferenças de pressão, de pH (potencial de hidrogênio) e de temperatura. Essas microcorrentes são suficientes para substituir milhares de milhões de baterias contaminantes.

Esta ideia foi aprovada no Instituto Fraunhofer da Alemanha, onde foi criado um protótipo de telefone celular que gera eletricidade a partir da diferença de temperatura entre o aparelho e o corpo do usuário e que converte a pressão da voz em piezoeletricidade, propriedade de certos cristais de se polarizarem eletricamente quando submetidos à pressão, fornecendo energia para transmitir a própria voz enquanto falamos.

A economia azul deseja expor, não impor, as enormes possibilidades da ciência para que possa emergir, quanto antes melhor, um novo e competitivo modelo econômico.

* Gunter Pauli é fundador do Zero Emissions Research and Initiatives, professor, empresário e autor de livros de não ficção e fábulas infantis. Direitos exclusivos IPS.

Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.

(Fonte:
Envolverde/Terramérica)/ enviado por walterjb@viçosa.ufv.br

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