sexta-feira, 2 de julho de 2010

Por uma economia baseada no conhecimento da natureza.

A economia baseada no conhecimento da natureza é, segundo a geógrafa
Bertha Becker, uma economia que utiliza a natureza sem destruir
todas as suas potencialidades e diversificação. Em entrevista à IHU
On-Line, ela apresentou essa ideia de se pensar uma economia que se
baseia em compreender a lógica da natureza trazendo este exemplo
para a realidade brasileira. Para a professora, o primeiro critério
para se efetivar essa economia a partir do conhecimento da natureza
é usá-la destruindo o mínimo possível.

O problema está, segundo ela, justamente em não entender o que e
quanto se pode destruir. “Ao mesmo tempo em que estamos crescendo,
nós estamos destruindo células e gerando outras. O problema é que
estamos destruindo as florestas do Brasil, a Amazônia, por exemplo,
para fazer pastagem ou para queimá-las e fazer carvão. Isso sim é
uma tragédia”, apontou.

Bertha Becker é geógrafa e historiadora pela Universidade do Brasil
(hoje, Universidade Federal do Rio de Janeiro). É especialista em
Theories of Urbanization & Urban Systems Analysis e doutora em
Geografia pela UFRJ. Realizou o pós-doutorado no Departament Of
Urban Studies And Planning (EUA). É pesquisadora da Agência Nacional
de Águas e professora aposentada da UFRJ.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – O que é uma economia baseada no conhecimento da
natureza? E quando que começou a se pensar nesse tipo de economia?

Bertha Becker – É uma economia que utiliza a natureza sem destruir
todas suas potencialidades e diversificação. Os índios e os povos
que habitam florestas já pensam nisso há muito tempo. Eles têm um
conhecimento sobre a natureza baseado na própria cultura e vida. Não
é só mais um conhecimento tradicional, já é um conhecimento que vira
uma ciência, com estratégias, práticas e tecnologias próprias. Já se
tinha um conhecimento baseado nas culturas dos povos de acordo com
seus diferentes lugares de vida, e agora é que se entende que a
natureza é tão poderosa, ela tem tantas potencialidades que é
possível você desenvolver uma economia baseada nestes conhecimentos,
com consciência, tecnologia e práticas adequadas.

IHU On-Line – Quais são os critérios para se medir essa economia?

Bertha Becker – O critério básico é justamente você usar sem
destruir. Ou destruir o mínimo. Ao mesmo tempo em que estamos
crescendo, nós estamos destruindo células e gerando outras. O
problema é que estamos acabando com as florestas do Brasil, a
Amazônia, para fazer pastagem ou para queimá-las e fazer carvão.
Isso sim é uma tragédia. A floresta tem uma potencialidade muito
grande em função de seus ecossistemas, incluindo aí a água, a fauna
a flora.

Esse conhecimento pode gerar uma nova forma de desenvolvimento que,
no caso do Brasil, é fundamental porque nós temos um território
imenso, extremamente diversificado e que, até agora, com pequenas
exceções, tem sido utilizado para exportação de produtos sem
agregação de valor. E isso acontece desde o período colonial.

IHU On-Line – Quais são as potencialidades do Brasil na área da
economia do conhecimento sobre a natureza?

Bertha Becker – Diversidade da natureza, Amazônia com ecossistemas
florestais, o próprio Nordeste, hoje, está desenvolvendo uma série
de pesquisas sobre frutos, sobre a natureza semiárida do Nordeste e
por aí afora. E tem os minerais também, a natureza também envolve os
minérios, não só fauna e flora, que são riquíssimas no Brasil. Você
tem uma grande diversidade nas diferentes regiões do Brasil, que têm
frutos, flores, espécies variadas de clima equatorial, de clima mais
semiárido, o cerrado, a Mata Atlântica, já muito destruída, mas
ainda tem potencial, e depois, mais para o Sul, a vegetação já
subtropical e com variedade de recursos minerais também grandes.

Tem outra questão que precisa ser levada em conta na economia de
conhecimento da natureza que é a questão do mar e dos oceanos que
hoje são um dos grandes eldorados do mundo contemporâneo porque
detém espécies conhecidas e não conhecidas de fauna, de flora e de
minérios, há muitos recursos minerais que ainda estão sendo
descobertos. Justamente eldorado no sentido de recursos da natureza.
E nós temos Antártida, que você sabe que já está partilhada pelas
potências, mas nós temos a Amazônia verde, e agora lançaram essa
expressão Amazônia azul, que é justamente toda a parte costeira e de
fundo de mar em que há uma potencialidade enorme ainda muito pouco
conhecida. Precisamos conhecer logo essa natureza, em outras áreas
do mundo, a pesquisa é feita mais rapidamente.

IHU On-Line – O conceito de desenvolvimento sustentável ainda é
válido ou há uma crescente incompatibilidade entre desenvolvimento e
sustentabilidade?

Bertha Becker – Não há incompatibilidade de forma alguma. É
perfeitamente possível você desenvolver sem destruir a natureza para
nada. Nós precisamos saber, dentro da questão do desenvolvimento
sustentável, discernir o que é consciência ecológica e utopia
ecológica. Algumas utopias são muito importantes, pois levam o homem
para frente, mas outras não. Já a ideologia ecológica é muito
perigosa, porque ela tem, muitas vezes, acobertado interesses
geopolíticos perversos em relação às nossas riquezas naturais.

O que significa o desenvolvimento sustentável? Ele está sendo
retomado rigorosamente. É um projeto que tem que seguir caminhos
diferenciados de acordo com as construções históricas das diferentes
nações e grupos sociais. Não existe um caminho único para o
desenvolvimento sustentável, ele deve abranger múltiplas dimensões
econômicas, sociais, políticas, ambientais e, basicamente, ele não
tem um modelo único a ser seguido, tem que ser fundamentado nas
condições geográficas, históricas, nas situações diferenciadas dos
países e das regiões.

IHU On-Line – O Plano Amazônia Sustentável (PAS) e o Programa de
Aceleramento Econômico (PAC) na região Amazônica são compatíveis?

Bertha Becker – Nós temos realmente um problema sério. Não podemos
dizer que o PAC não vai trazer nenhum impacto na Amazônia, ele vai
trazer sim. Mas é exagero tanta hidrelétrica na Amazônia. Serão mais
cinco hidrelétricas, por exemplo, planejadas em Tapajós que vão
impactar nas terras indígenas e unidades de conservação.

Por outro lado, eu também não sou a favor daqueles que gritam que
não pode ter hidrelétrica alguma, porque o país precisa se
desenvolver e precisa de energia, e uma ou outra hidrelétrica terá
que ser construída porque a Amazônia tem um enorme potencial. A
grande questão é que estas hidrelétricas têm sido construídas
basicamente para abastecer grandes empresas, para supri-las com
energia barata.

IHU On-Line – Quem são hoje os maiores inimigos da Amazônia?

Bertha Becker – Os maiores inimigos são aqueles que destroem a
floresta para não fazer nada, são aqueles que não querem que se
toque na Amazônia, o extremo oposto não pode. Nós temos que usar os
recursos em benefício das populações que lá vivem e do país, isso é
fato. São também inimigos aqueles que não colaboram com a discussão
e a busca de soluções. Muita gente tem que sair da posição cômoda de
não debater e partir para tomar uma posição política. Nós temos que
descobrir, conhecer a natureza, daí vem a ideia do conhecimento da
natureza, pois precisamos desenvolver práticas adequadas e usar sem
destruir, este é nosso desafio. Não é nem destruir e nem não fazer
nada.


Fonte: IHU - Instituto Humanitas Unisinos

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